A PORTA CINZA

 


 

Havia uma porta,

no fim de um corredor escuro

e úmido,

tracejada por marcas de mofo,

com o cheiro áspero das lembranças guardadas

e pouco revisitadas.

A porta era de um cinza desbotado,

como se o simples fato de ser cinza por si só,

não fosse já enfadonho o bastante.

Tudo ao redor era monótono, e pelas janelas víamos o desgaste do tempo

corroendo nossas esperanças.

Às vezes a porta rangia,

e era um gemido sofrido, quase um pedido de ajuda,

ou um convite.

Entretanto estávamos embrenhados em toneladas de afazeres inúteis,

atolados em números afiados raspando nossa pele,

nos fazendo sangrar e ter pesadelos,

mas mesmo assim permanecíamos,

fiéis em sua promessa de salvação.

Mas os números não nos salvaram, e

a cada dia nos sufocávamos mais e mais nesse

turbilhão de obrigações sem sentido,

marchando rumo ao nada,

perdidos numa escuridão a qual nossos olhos

já estavam acostumados.

Um dia eu olhei pela janela,

o mundo parecia impregnado de um azul mórbido,

retirado de algum local submarino inóspito.

E não havia mais quase ninguém

que pudesse preencher o ambiente com sorrisos.

Na rua eu vi definhando

já quase sem forças, a última esperança,

corroída pela falta de fé.

Houve um relâmpago,

e a chuva reclamou a Terra.

As luzes piscaram e senti uma eletricidade diferente percorrendo meu corpo.

(Estava eu ainda vivo?).

Ouvi um gemido, que quase passou despercebido,

pois a tempestade se fez onipresente do lado de fora.

Novo clarão. Luzes indo e voltando.

E fomos envolvidos pelas trevas.

A velha porta ranzinza gemeu mais alto, implorando.

O ventou uivou com ameaças,

e uma voz de trovão parecia querer me fazer em pedaços.

Tateei a parede anestesiado.

O chão havia desaparecido.

(Era aquele o grande momento?)

Do lado de fora, contra a tempestade, a esperança ainda resistia.

Meus dedos tocaram a porta levemente,

ela estava entreaberta.

Mesmo às cegas, senti os olhares de protesto resignado dos meus irmãos.

Alguma coisa acontecia com eles também.

No escuro, a porta cinza era apenas uma porta.

(Era ela que guardava todas as dores?).

 

Eu atravessei.


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